Texto do Professor Cayo Candido Rosa (Estudos Áfricos EF2) publicado no blog do Estadão
Os olhares curiosos atravessavam os corredores: a mãe de uma aluna do sexto ano traria um conhecido para falar sobre sua cultura. A notícia já havia sido anunciada semanas antes, porém um feriado prolongado e a avalanche de tarefas acumuladas fizeram com que boa parte das crianças se esquecessem de que, naquela manhã de quinta-feira, horário reservado para as aulas de Estudos Áfricos, Timóteo Daco daria uma palestra sobre seu país de origem, Moçambique.
O despertar da memória se misturava ao despertar do interesse, à medida que os alunos pegavam cadernos, lápis e canetas multicoloridas, além de uma atividade já feita sobre o país africano. “Então foi por isso que fizemos a pesquisa sobre Moçambique?”.
Ainda que bem feita, a pesquisa fria, distanciada e, até mesmo, factual jamais substituiria o encontro com Timóteo, que falou de sua terra natal e de seu passado, suas línguas, seus ícones, símbolos culturais e identidades, sempre com muita saudade, palavra comum ao português falado tanto aqui quanto lá, além, é claro, de outras 41 línguas reconhecidas (e a linguagem de sinais) como o BiTonga e o EChuwabo, dialetos antes proibidos sob a obrigação da língua oficial do colonizador e agora aceitos e perpetuados.
Daco falou não só sobre figuras políticas do passado de Moçambique, mas também de personalidades artísticas como o recentemente falecido escultor Naftal Langa e o premiado escritor Mia Couto. Explicou sobre as diferenças das escolas no campo e na cidade, falou das belas cidades litorâneas, baseadas em turismo, destacou pratos da culinária típica moçambicana como o matapa, feito na folha de mandioca e acompanhado de molho à base de leite de coco e amendoim pilado, e contou a história da capulana, tecido de origem asiática muito usado em seu país como lenço para cobrir o cabelo, toalha de piquenique ou, até, como uma bolsa para carregar um bebê no colo ou nas costas.
Ao final, as questões desprovidas de preconceito e recheadas de inocência deram a Timóteo mais uma oportunidade de mostrar para as crianças que Moçambique, como qualquer outro país, não é tão diferente assim do Brasil e que, como toda nação, é povoado de riquezas culturais, símbolos nacionais e, obviamente, contradições.
“Qual o seu esporte favorito?”
“Do que você sente falta?”
“Fale mais sobre a comida!”
“Como é a vida lá?”
A essas e a muitas outras perguntas ele respondeu com seu sotaque típico do “português de Portugal” – “Ora, depende… em geral as pessoas acordam, tomam café, vão ao trabalho ou à escola…” -, fazendo com que as crianças rissem em vários momentos, quando se identificavam com a mesma rotina nos dois países.
Fruto de um desejo de estudar de modo mais aprofundado a História e a Cultura afro-brasileiras, a disciplina Estudos Áfricos, incorporada ao currículo do Colégio Ítaca há quase dez anos, busca também desmistificar a ideia do continente africano como um bloco único, banhado de estereótipos e visões acríticas (a esse respeito ver Lei federal nº 10.639/03).
Atividades como a palestra de Timóteo Daco aproximam os alunos de uma realidade que já está muito mais próxima a eles do que imaginam, e a troca cultural – seja entre os dois países ou, mesmo, nesse breve encontro entre os alunos do sexto ano e um visitante moçambicano – enriquece o amadurecimento crítico de cada um, ao ver e compreender o outro em si mesmo.
“Do que você brincava quando era criança?”
“Nadávamos num rio, sem medo, mesmo que cheio de crocodilos”, – respondeu Timóteo, sem especificar se brincava ou falava sério, deixando que os alunos levassem com eles o benefício da dúvida.